Desfiado

Diogo Hartuiq Debarba
4 min readJul 9, 2021
Uma taruíra ou também conhecida como lagartixa no canto direito da imagem com a cabeça para baixo, há uma sombra que parte debaixo e pega uns 80% de toda a imagem, a maior parte do corpo da largartixa está na sombra, só seu rabo e patas traseiras que pegam a luz.
Desfiado — Diogo Hartuiq Debarba — Foto de @DickDreamer

-E porque vocês terminaram? — Disse a mais velha com um olhar curioso tentando ocultar sua ansiedade em ouvir o que sua amiga ia responder.

-Prefiro não falar, mas se eu soubesse nunca teria me casado com aquele nojento! — Ela contorceu a face para baixo com um olhar imóvel para frente que atravessou as cadeiras e mesas daquele café a céu aberto, depois voltou a olhar para a amiga, e seu rosto era de tristeza.

-Não é o que sua cara diz — Se conheciam desde a adolescência.

-É que gostava dele.

-Mas que foi que ele fez? Outra mulher?

-Teria sido melhor! — A outra ficou ainda mais curiosa, e pensava em como faria sua amiga dizer, a outra amiga delas voltou, estava no telefone numa ligação a algumas mesas de distância, debaixo de uma pequena árvore de cabeça redonda e cabelos cheios.

-Vocês não vão acreditar no que o idiota quer que eu coma hoje no almoço? — Disse ela guardando o celular no bolso e com uma expressão de raiva — Mas não vou mesmo!

-O que? O que? Carne de porco? — Disse a curiosa.

-Não, eu comeria carne de porco, não todo dia, mas, hoje sim — Falou mais baixo — Ele quer que eu coma rã, eca!

-Eu já comi! — Disse a mais velha — Nem é tão ruim assim, no espetinho.

-Ele disse que iria até já estar desfiada como um frango já despedaçado, tudo na bandeja de vidro ao forno, faria tudo, que eu nem devia me preocupar, se não fosse rã eu iria amar essa disposição toda dele, mas não como sapo! Jamais! — A recém divorciada que ainda não era oficialmente, voltou para casa da mãe a poucos dias e ele ficou na casa que era de ambos, ela olhava para a que guardou o telefone com pavor de boca semi-aberta e aquele mesmo olhar vibrante e imóvel, mas parava diante do corpo da amiga em pé, a outra percebeu sua aparência esquisita e continuou — Que foi amiga? Que cara é essa!

-Ela terminou com… Deixa que ela conte, ainda não disse porque — Disse a mais velha tentando estimular ela a contar.

-Ele também! Que que deu nesses homens!

-Ele também? — Disse a em pé sem entender.

-É amiga como assim? — Disse a outra.

-Ele também quer te fazer comer aquilo? Não come! Não come!

-Mas não vou comer nada, rã nem pensar! Disse pra ele, ele falou que vai ser frango então.

-Está mentindo também! Não come! Por favor não come!

-Você está me assustando amiga — E a recém separada estava quase a chorar, mas o olhar firme ainda na amiga em pé.

-Estou curiosa — Confessou a curiosa e prosseguiu — Foi por causa de rã que vocês terminaram? Já comi rã, coelho, jacaré e sei lá mais o que Jorge já trouxe pra casa e estamos juntos até hoje.

-Mas nunca comeu tatuíra! — Disse ela desmoronando seu olhar e virando pra mais velha, mas as lágrimas saíram e ela abaixou a cabeça olhando pro chão.

-O que é tatuíra? — Perguntou a que estava em pé.

-Você não nega mesmo que não é daqui! Lagartixas, aquelas que dão nas paredes de casa — A de pé colocou a mão na boca dizendo “meu Deus” , enquanto a outra chorava com mais ruídos — Mas eu não entendo, você quer dizer que ele queria te fazer comer tatuíras? — Levantou o queixo da amiga com um olhar calmo para que ela se sentisse à vontade em responder, era boa em tirar do outro o que queria saber.

-Não! Ele me fez comer! Mas eu não sabia, juro que não sabia! Ele disse que era rã! — A que estava em pé mudou o semblante abruptamente e fez cara de nojo e ao mesmo tempo um certo medo.

-Você quer dizer que o Lucas quer me fazer comer largatixas? Porque ele faria isso?

-Eu não sei! Não come! Não come!

-Taruíras, mas o nome não importa! foi por isso que vocês terminaram?

-Uhum… — E voltou a olhar para amiga de pé e depois para o chão de paralelepípedos.

-Eca amiga você aceitou comer rã! — Disse a de pé.

-Não culpe ela, a culpa é dele, taruíras não são para comer, rã até são.

-O Lucas não faria uma coisa dessa, ele até mudou de ideia, vai ser frango hoje.

-Você já disse amiga… — A outra levantou a cabeça — Ele está mentindo, é… é taruíra! — E voltou a chorar agora bem mais intenso daria para ouvir nas mesas vizinhas se houvesse alguém.

-Amiga não chore! — Disse a mais velha — A em pé pensava, tentava inventar alguma desculpa para não precisar comer em casa, estava em dúvida, confusa, sem entender o porquê daquilo tudo, o motivo, sentia raiva da amiga que chorava por ela acusar seu marido assim, e olhou com ódio aparente para ela enquanto pensava, mas nenhuma das outras duas reparou, a mais velha consolava a outra que abaixou a cabeça outra vez.

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Diogo Hartuiq Debarba

Eu? Uns tantos, Um tanto de literatura, Um tanto de pintura, Um tanto de palhaço, Um tanto de música, Um tanto de tecnologia, Mas também paro, Para ser nada